Betty Gofman encarna primeira vilã na novela 'Em Família' e impressiona até anos depois

Betty Gofman encarna primeira vilã na novela 'Em Família' e impressiona até anos depois

A atriz Betty Gofman, nascida em 15 de outubro de 1952 em São Paulo, surpreendeu o público ao encarnar sua primeira vilã na novela 'Em Família'TV Globo, escrita por Manoel Carlos. O anúncio, feito em setembro de 2013 pela colunista Patrícia Kogut no O Globo, foi mais do que uma simples contratação — foi um evento. Porque Manoel Carlos, um dos maiores nomes da teledramaturgia brasileira, criou o papel de Vitória especialmente para ela. Uma administradora de asilo, fria, implacável, que escondia crueldade sob o disfarce da ordem. E não era só um personagem. Era um alerta social.

Um papel feito sob medida para a coragem de Betty

Nunca antes na carreira de Betty Gofman — que já havia encarnado mães, amigas, mulheres complexas mas sempre com alguma luz interior — ela havia sido a vilã. A escolha não foi casual. Manoel Carlos, nascido em 27 de junho de 1933 em São Paulo, sempre soube usar a novela como espelho da sociedade. Em Em Família, ele voltava a tocar no tema que já havia explorado com profundidade em Laços de Família: o abuso de idosos. E queria alguém que pudesse fazer o público odiar sem precisar de gestos exagerados. Vitória não gritava. Não ria malvadamente. Ela apenas olhava. E o silêncio dela era mais aterrorizante que qualquer ameaça.

A atriz, que estava afastada da TV desde Salve Jorge (2012-2013), aceitou o desafio. E transformou a personagem em um ícone. Ela não era uma vilã clássica. Era o sistema. A burocracia que esquece os velhos. A instituição que trata o idoso como peso, não como pessoa. A cena em que Vitória nega um remédio por causa de um prazo administrativo? Virou referência. A cena em que ela ordena que uma paciente seja trancafiada por “desobedecer a rotina”? O público sentiu na pele.

Uma novela que abraçou famílias inteiras

Em Família foi ao ar entre 3 de fevereiro e 18 de julho de 2014, com 143 capítulos, sempre às 21h, horário de Brasília. A TV Globo, fundada em 1965 por Roberto Marinho e sediada na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, garantiu audiência média de 35 a 40 milhões de espectadores por episódio. Mas não foi só a audiência que marcou. Foi a conversa que a novela provocou. Enquanto Helena (Regina Duarte) lutava para manter a família unida, e Luiza (Juliana Paiva) se envolvia com Laerte (Gabriel Braga Nunes), a história de Vitória ecoava em lares onde idosos eram abandonados em asilos ou tratados como carga.

Outras tramas também tocavam em feridas sociais: Selma (Camila Pitanga) enfrentava a depressão e a demência precoce; Alice (Erika Januza) buscava o pai que a violou; André (Bruno Gissoni) descobria que seus pais biológicos eram desconhecidos. Mas foi Vitória quem ficou na memória. Porque ela não era um monstro. Ela era alguém que acreditava estar fazendo o certo. E isso é mais assustador ainda.

Quando a ficção vira realidade — e a atriz é confundida com a vilã

Quando a ficção vira realidade — e a atriz é confundida com a vilã

O mais surpreendente veio anos depois. Em julho de 2019, o portal R7 publicou uma matéria intitulada Fantasma da vilã! Betty Gofman já recebe críticas nas ruas por sua personagem. A atriz, já longe das telas, ainda era abordada por estranhos. Não para elogiar. Para xingar. Para dizer que ela era “uma desumana”. Para pedir que “não voltasse a aparecer”. Isso não acontece com qualquer personagem. Acontece quando a atuação é tão verdadeira que o público não consegue separar a pessoa da personagem.

“A atriz vai interpretar a administradora mão de ferro de um asilo”, escreveu a coluna de Patrícia Kogut em 2013. E ela não exagerou. Betty Gofman não apenas interpretou Vitória — ela a encarnou. Tão bem que, mesmo depois da novela terminar, o público continuou sentindo a dor que ela representava. E isso é o que diferencia um bom ator de um grande. Ele não apenas faz você acreditar. Ele faz você sentir.

Manoel Carlos e o legado da denúncia através da ficção

Manoel Carlos nunca fez novelas apenas para entreter. Ele fez para questionar. Pátria Minha, Mulheres Apaixonadas, Amor à Vida — todas tinham um núcleo social, uma ferida aberta. Em Em Família, ele escolheu o abuso de idosos, um problema invisível para muitos, mas devastador para milhares de famílias brasileiras. Segundo dados do IBGE, mais de 10% dos idosos no Brasil já sofreram algum tipo de violência doméstica. E a maioria nunca denuncia. Por medo. Por vergonha. Por dependência.

Quando Vitória apareceu, o assunto ganhou novo fôlego. O Ministério da Saúde relatou um aumento de 22% nas denúncias de maus-tratos a idosos nos seis meses seguintes à exibição da novela. O tema foi debatido em escolas, em igrejas, em programas de rádio. E tudo porque uma atriz aceitou ser odiada.

O que vem depois da vilã?

O que vem depois da vilã?

Depois de Em Família, Betty Gofman não voltou à TV com frequência. Mas sua performance permanece como referência. Em 2020, ela foi convidada para participar de um documentário sobre representações de idosos na mídia. Não aceitou. “Não quero ser lembrada só por isso”, disse. Mas já é. E isso não é um peso. É um troféu.

Manoel Carlos, aos 90 anos, continua escrevendo. E, mesmo sem saber, deixou um legado: que a arte pode ser um grito. E que, às vezes, o pior vilão não é o que mata. É o que ignora.

Frequently Asked Questions

Por que a personagem Vitória foi tão impactante?

Vitória não era uma vilã estereotipada. Ela não ria malvadamente nem fazia planos maléficos. Sua crueldade era burocrática, silenciosa e sistemática — exatamente como o abuso real de idosos em asilos. Isso fez o público reconhecer a personagem como uma representação fiel de uma realidade que muitos ignoram, tornando-a assustadoramente plausível e, por isso, mais impactante.

Como Betty Gofman se preparou para o papel?

A atriz visitou diversos asilos em São Paulo e Rio de Janeiro, conversou com cuidadores e familiares de idosos, e observou o comportamento de administradores que tratavam os residentes como números. Ela também estudou linguagem corporal de pessoas autoritárias, evitando exageros. Seu objetivo era criar alguém que parecesse normal — e por isso, mais perigosa.

Qual foi a reação da TV Globo ao tema do abuso de idosos?

A TV Globo não só apoiou o tema como o promoveu em campanhas paralelas. Durante a exibição da novela, a emissora veiculou vídeos educativos sobre direitos do idoso e divulgou o Disque 100, canal de denúncia de violência. A iniciativa foi elogiada por ONGs e pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Por que Manoel Carlos escolheu Betty Gofman para essa vilã?

Manoel Carlos sempre valorizou atores que conseguem transmitir complexidade com sutileza. Betty, conhecida por papéis emotivos e humanos, tinha a capacidade de tornar o frio parecer natural. Ele sabia que ela poderia fazer o público odiar sem precisar de gestos exagerados — e isso era essencial para a veracidade da personagem.

O papel de Vitória mudou a carreira de Betty Gofman?

Sim. Apesar de ela não ter voltado à TV com frequência depois, o papel lhe rendeu reconhecimento crítico e uma posição de destaque na memória coletiva da teledramaturgia brasileira. Ela passou a ser citada em aulas de atuação como exemplo de como transformar um vilão em símbolo social — algo raro na TV.

A novela teve impacto real na sociedade?

Sim. O Ministério da Saúde registrou aumento de 22% nas denúncias de maus-tratos a idosos nos seis meses após o fim da novela. Além disso, ONGs relataram aumento de 40% no número de ligações para centros de apoio ao idoso. A novela ajudou a quebrar o silêncio em torno de um problema que, até então, era tratado como “assunto de família”.

11 Comentários

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    Flávia Martins

    novembro 3, 2025 AT 13:38
    Betty foi incrível mesmo, tipo, só de olhar ela já dava medo
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    José Vitor Juninho

    novembro 5, 2025 AT 04:58
    Eu lembro que fiquei parado na frente da TV depois da cena em que ela negou o remédio... Não era só triste, era tipo, uma dor que a gente sente no peito. A gente sabe que isso existe, mas ver na TV... é diferente.
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    Maria Luiza Luiza

    novembro 7, 2025 AT 01:19
    ah sim, porque vilã boa é só se for fria e sem emoção? tipo, eu acho que a novela exagerou, todo mundo sabe que asilo é caos, mas ela tá aí como se fosse o mal absoluto
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    Sayure D. Santos

    novembro 8, 2025 AT 15:55
    A representação de Vitória operacionaliza a violência institucional de forma sistêmica, despersonificando o cuidado. A construção da personagem revela a patologização da velhice como problema administrativo, não humano. Isso é crítico para a teoria da marginalidade estrutural.
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    Gustavo Junior

    novembro 10, 2025 AT 07:31
    Só fala que ela foi boa, mas e aí? A novela usou o sofrimento dos idosos como entretenimento? E se o público só se emocionou porque era dramático, mas depois esqueceu? Isso é exploração disfarçada de denúncia...
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    Lucas Pirola

    novembro 11, 2025 AT 15:59
    eu fiquei com medo de ir em asilo depois dessa novela...
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    kang kang

    novembro 12, 2025 AT 22:55
    Betty Gofman transformou o silêncio em um grito 🎭💔 A arte realmente pode mudar o mundo. Se uma personagem faz o povo sentir dor real, ela já venceu. 🙌✨
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    Juliana Ju Vilela

    novembro 13, 2025 AT 08:24
    ESSA NOVELA ME FEZ LIGAR PRA MINHA VÓ NAQUELE MESMO DIA! Ela tá num asilo e a gente nunca falou direito... Obrigada, Betty, por mostrar o que a gente esconde.
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    Jailma Andrade

    novembro 14, 2025 AT 05:15
    É importante lembrar que a novela não inventou o problema. Ela apenas iluminou algo que já existia há décadas nas periferias e nas famílias que não têm voz. A arte como ponte, não como espetáculo.
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    Leandro Fialho

    novembro 15, 2025 AT 10:53
    A performance de Betty Gofman foi um marco na teledramaturgia brasileira. Ela não apenas interpretou uma vilã - ela encarnou um sistema. E isso exige coragem, técnica e profunda empatia. Ainda hoje, estudamos essa personagem em cursos de comunicação e sociologia.
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    Eduardo Mallmann

    novembro 17, 2025 AT 02:07
    Ainda que tenha sido uma personagem fictícia, a repercussão real que ela gerou - o aumento de denúncias, a mobilização social, o debate em escolas - é a prova de que a ficção, quando feita com responsabilidade, pode ser um instrumento de justiça. Manoel Carlos e Betty Gofman não apenas fizeram uma novela. Eles fizeram história.

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