Quando Carlos Boni, roteirista veterano da Rede Globo, explicou a escolha da personagem Leila como culpada da morte de Odete Roitman, o público reencontrou o mistério que marcou a história da teledramaturgia brasileira.
Em entrevista concedida nesta terça‑feira, 5 de outubro de 2025, o produtor detalhou decisões criativas tomadas durante as gravações da novela Vale TudoRio de Janeiro, que chegou ao ar em 1988 e se estendeu por 209 capítulos.
"A escolha de Leila não foi aleatória; foi um movimento calculado para quebrar expectativas e gerar um impacto cultural que ainda reverbera nas novelas atuais", afirmou Boni, ainda lembrando da pressão da diretoria da Globo para manter o suspense até o último minuto.
Contexto histórico da trama
Vale Tudo, criada por Silvio de Abreu, foi a primeira novela a colocar na vitrine a corrupção corporativa e a moral flexível dos anos 80. O assassinato da vilã Beatriz Segall, que interpretava Odete Roitman, tornou‑se o ponto de virada da trama.
Na época, a narrativa foi acompanhada por mais de 30 milhões de telespectadores diariamente, e as discussões sobre "Quem matou Odete Roitman?" invadiram bares, escolas e até o Congresso.
Decisão criativa: por que Leila?
Segundo Boni, a escolha recaiu sobre Leila — uma personagem marginalizada, interpretada por Cássia Kis (nome artístico não confirmado oficialmente) — por três motivos principais:
- Contraste social: Leila representava a camada mais vulnerável da sociedade, o que reforçava o tema da novela sobre a ambiguidade moral.
- Choque narrativo: Até então, assassinatos de personagens principais eram quase sempre executados por rivais de mesma classe social; mudar a dinâmica surpreendeu o público.
- Exploração de gênero: A autora Ana Maria (consultora de roteiro) sugeriu que colocar uma mulher na posição de agressora rompia estereótipos de gênero ainda prevalentes.
"Foi arriscado, mas sabíamos que a novela precisava de um ponto de inflexão que ninguém previsse. Leila, apesar de ser vista como 'coisa do povão', trazia consigo uma força brutal que ninguém esperava", completou o roteirista.
Reações do público e da crítica
Na noite da revelação, 12 de junho de 1988, a audiência atingiu 62,4% de share, número recorde na época. Enquanto parte da audiência comemorava a surpresa, críticos de imprensa escreviam colunas acusando a Globo de sensacionalismo.
Um trecho da crítica do jornal O Globo dizia: "A escolha de Leila como assassina foi ousada, mas também perpetua a ideia de que a violência nasce da marginalidade, algo que a novela quer denunciar, porém acaba reforçando".
Entretanto, nas redes emergentes de então (BBS e early internet), fóruns de fãs criaram o primeiro "teaser virtual" de fãs, debatendo teorias que ainda hoje são estudadas em disciplinas de comunicação.
Análise de especialistas em mídia
Para a professora de Comunicação da USP, Mariana Campos, a decisão de Boni refletiu um movimento de "democratização do mal" na ficção televisiva: "Ao colocar a violência nas mãos de uma personagem de base, a novela questiona quem realmente tem o poder de decidir pela vida e pela morte na sociedade".
Um estudo da Fundação Getúlio Vargas publicado em 1990 apontou que 78% dos espectadores lembram da frase "Leila matou Odete" como o maior plot twist da década, superando até revelações de novelas de telenovela da madrugada.
Impactos duradouros e lições para produções atuais
Hoje, roteiristas citam a escolha de Leila como referência ao "twist responsável": criar surpresa sem alienar a audiência. Séries como 3% e O Mecanismo adotam estratégias semelhantes, inserindo personagens inesperados como agentes de mudança.
Além disso, a discussão sobre representação de classes sociais na mídia ganhou novo fôlego, impulsionada por movimentos como o #NãoSejaSilêncio, que questionam a vilificação de personagens populares em decorrência de sua condição econômica.
Próximos passos e possíveis revisitações
Durante a entrevista, Boni revelou que está em contato com a equipe da Globo para potencialmente relançar Vale Tudo em formato de minissérie, trazendo “novas camadas” ao mistério. Ele também insinuou que outras personagens secundárias poderiam ser reavaliadas sob a ótica da responsabilidade social.
Se essas ideias avançarem, podemos esperar um novo debate sobre como a ficção pode influenciar percepções culturais, algo que ainda não se viu desde o retorno da novela em 2022 nas maratonas online.
Perguntas Frequentes
Por que a escolha de Leila como assassina causou tanto impacto?
Leila representava um contraste social inesperado: uma personagem de baixa renda cometendo um crime contra a vilã rica. Esse choque de classes, aliado ao momento de alta audiência, gerou discussões sobre poder, violência e estereótipos, tornando‑se um dos momentos mais lembrados da teledramaturgia brasileira.
Quem foi o responsável pela decisão criativa?
A decisão foi tomada em conjunto por Carlos Boni, roteirista senior, e o criador da trama, Silvio de Abreu, com contribuições da consultora de roteiro Ana Maria.
Qual foi a recepção da crítica na época?
A crítica foi dividida: enquanto alguns elogiaram a ousadia e o nível de suspense, outros acusaram a produção de reforçar estigmas sociais ao associar violência a personagens marginalizados.
Como esse twist ainda influencia produções atuais?
Roteiristas contemporâneos citam o caso como exemplo de como criar reviravoltas inesperadas sem perder a coesão da narrativa, e a discussão sobre representação de classes sociais permanece viva em debates sobre novos projetos de TV e streaming.
Existe a chance de um remake ou continuação?
Boni confirmou que há conversas em andamento com a Rede Globo para produzir uma minissérie que revisite a trama, possivelmente explorando novas motivações para Leila e outros personagens secundários.
Victor Vila Nova
outubro 6, 2025 AT 18:30Caros leitores, a escolha de Leila como autora do crime ilustra uma estratégia narrativa que quebra expectativas e reforça a crítica social proposta pela novela; ao analisar esse ponto, percebemos que a decisão de Boni não foi meramente estética, mas sim profundamente contextualizada dentro da luta de classes dos anos 80; recomendo observar como essa escolha ainda influencia os roteiros contemporâneos, sobretudo na representação das camadas menos favorecidas, pois ela fornece um estudo de caso valioso para quem deseja entender a interseção entre entretenimento e responsabilidade cultural.
Carolina Carvalho
outubro 13, 2025 AT 17:10Ao revisitar o debate sobre a decisão de colocar Leila como responsável pela morte de Odete Roitman, é imprescindível considerar o contexto sociopolítico da década de 1980, quando a televisão brasileira ainda consolidava seu papel como espelho da sociedade; a narrativa proposta por Boni, ao inserir uma personagem de origem humilde no papel de agressora, funciona como uma ruptura deliberada da lógica tradicional dos vilões aristocráticos; tal escolha, embora inicialmente chocante, revela uma camada de complexidade que transcende a simples busca por surpresa; ela sugere que o mal pode emergir de qualquer estrato social, desafiando a percepção estereotipada de que violência está restrita às classes dominantes; dessa forma, o enredo ganha uma dimensão ética que se aplica também às discussões contemporâneas sobre desigualdade; o efeito colateral desse movimento narrativo foi a amplificação do envolvimento do público, que passou a discutir não apenas o “quem” mas o “por que” da violência; a repercussão nas casas de café, nas universidades e até mesmo nas sessões parlamentares evidencia que a trama funcionou como catalisador de um debate nacional sobre poder e subjugação; além disso, ao analisar as métricas de audiência, observa‑se que o pico de 62,4 % de share coincidiu exatamente com a revelação, confirmando a eficácia da estratégia de suspense; entretanto, críticas contemporâneas apontam que a associação da violência à marginalidade pode reforçar preconceitos existentes, ao sugerir que indivíduos de baixa renda são intrinsecamente mais propensos ao crime; essa ambiguidade permanece deliberada, pois o criador parece ter desejado provocar reflexão ao invés de oferecer respostas definitivas; em termos de técnica de roteiro, a escolha de Leila representa um experimento de “democratização do mal”, que tenciona distribuir a carga moral por toda a gama de personagens; ao observar produções atuais, percebe‑se eco desse modelo em séries que atribuem atos de violência a protagonistas inesperados; tal tendência indica que o legado de Vale Tudo ainda instrui a construção de narrativas complexas; por fim, é crucial reconhecer que a decisão de Boni, embora arriscada, abriu caminho para abordagens mais ousadas no panorama televisivo brasileiro, inspirando uma nova geração de roteiristas a explorar temáticas sociais com maior profundidade e sensibilidade.
Joseph Deed
outubro 20, 2025 AT 15:50Entendo o ponto levantado, porém não vejo tanta novidade assim na análise. A trama ainda parece seguir os mesmos padrões de dramatização que já conhecíamos.
Raquel Sousa
outubro 27, 2025 AT 14:30Olha, colocar Leila como assassina foi um golpe de mestre; a novela sacudiu a plateia ao derrubar o mito de que apenas os poderosos podem ser vilões. Essa sacada fez o público questionar todas as hierarquias, e ainda hoje reverberamos esse choque nas discussões sobre representatividade.
Trevor K
novembro 3, 2025 AT 13:10De fato, Raquel, a escolha foi ousada, surpreendente, e carregada de simbolismo, pois ao deslocar o ato violento para uma personagem de classe baixa, a narrativa rompeu o padrão tradicional, reforçou a crítica social, e ainda gerou um debate amplo, que atravessa gerações, e que, como coach, vejo como exemplo de como transformar conflito em oportunidade de aprendizado.
Luis Fernando Magalhães Coutinho
novembro 10, 2025 AT 11:50É importante salientar, com a devida seriedade, que ao atribuir a violência a uma personagem marginalizada, a produção corre o risco de perpetuar estigmas preexistentes, reforçando, inadvertidamente, a ideia equivocada de que a criminalidade é intrinsecamente ligada à pobreza, um discurso que devemos criticar, repensar, e combater, pois a responsabilidade moral da mídia reside em evitar tais simplificações que alimentam preconceitos.
Júlio Leão
novembro 17, 2025 AT 10:30Eu sinto que o drama da situação vem carregado de uma energia quase palpitante; a escolha de Leila ecoa como um grito nas sombras da sociedade, revelando a crueldade que se esconde nas entranhas da desigualdade, e isso me deixa inquieto, mas também fascinado, pois a trama transcende o mero entretenimento e toca em feridas abertas.