Quando Cardinal Joseph Zen Ze‑kiun, cardeal emérito de Hong Kong, desembarcou em Roma em setembro de 2025, o mundo religioso segurou a respiração.
A viagem, autorizada após anos de restrição de passaporte por autoridades de Hong Kong, coincidiu com a Congregação Geral dos CardeaisVaticano, convocada para eleger o sucessor de Papa Francisco. Mesmo com 92 anos e fora da idade de voto (cardeais acima de 80 não elegem), sua presença carregava peso simbólico enorme.
Contexto histórico da Igreja na China
Para entender a importância da chegada de Zen, é preciso recuar à década de 1950. Em 1951 a Santa Sé rompeu relações diplomáticas com a República Popular da China, expulsando missionários estrangeiros. No ano seguinte, o governo chinês criou a Associação Católica Patriótica (APC), que controla nomeações episcopais e proíbe lealdade ao Papa. Desde então, os fiéis ligados a Roma têm vivido à margem, sob constante vigilância.
Em 2018, o Vaticano e Pequim assinaram um Acordo ProvisórioVaticano. O pacto, renovado a cada dois anos, permite que a China proponha nomes de bispos, mas preserva o direito papal de aprovação final. O acordo, porém, não resolve a questão da perseguição aos católicos underground.
A viagem do Cardinal Zen ao Vaticano
Zen, nascido em Xangai em 16 de janeiro de 1932, foi ordenado sacerdote pelos Salesianos de Dom Bosco em 25 de março de 1961 e nomeado bispo de Hong Kong por Papa João Paulo II em 26 de setembro de 2002. Seu apelido, “Leão de Hong Kong”, veio da defesa incansável da liberdade religiosa e da democracia.
Em 2022, após ser detido por apoiar o "Fundo Humanitário 612" — organização que ajudou manifestantes pró‑democracia — sua passagem foi confiscada. O tribunal de Hong Kong conduziu um processo de 156 dias entre 2023 e 2025; Zen declarou inocência, mas o veredicto ainda não havia sido publicado quando ele recebeu permissão judicial para viajar.
A chegada aconteceu poucos dias antes da missa de despedida de Papa Francisco, e foi recebida com silêncio solene pelos guardas suíços. Zen participou de uma breve audiência com o recém‑eleito Papa Leo XIV, que o agradeceu publicamente por sua “coragem pastoral”.
Reações dentro da Igreja e da comunidade de Hong Kong
Enquanto Zen era saudado como um símbolo de resistência, o atual bispo de Hong Kong, Cardinal Stephen Chow Sau‑yan, gerou controvérsia ao afirmar em setembro de 2025 em Parramatta, Austrália, que não há perseguição religiosa na região. A declaração foi contestada por observatórios internacionais que registraram detenções de fiéis e apagões de reuniões clandestinas.
Durante a reunião no Pontifício Urban University em 10 de outubro de 2025, Papa Leo XIV destacou o “Concilium Sinense” como exemplo de “coragem” para os católicos chineses, mas não abordou diretamente as acusações de repressão feitas por Zen.
Em resposta, grupos de direitos humanos organizaram vigílias nas ruas de Hong Kong, carregando cartazes que diziam “Liberdade para o Leão”. O clima ficou tenso, principalmente porque o Vaticano agora reconhece o novo bispo auxiliar da Diocese de Xangai, Bispo Ignatius Wu Jianlin, nomeado em 11 de agosto de 2025 e ordenado em 15 de outubro de 2025.
Implicações nas relações Vaticano‑China
O retorno de Zen ao centro de poder papal reacendeu o debate sobre a eficácia do Acordo Provisório. Enquanto alguns analistas apontam que a presença de dignitários críticos demonstra que o Vaticano ainda pode pressionar Pequim, outros temem que o gesto seja apenas simbólico, sem mudanças concretas nas nomeações episcopais.
Além disso, o recente supressão de duas dioceses criadas por Papa Pio XII — Xiwanzi e Xuanhua — para formar uma nova diocese, mostra que a Santa Sé está disposta a reconfigurar estruturas em nome da diplomacia.
- O Acordo Provisório continua renovado até 2027.
- Zen, apesar de inabilitado a votar, participou de todas as sessões da Congregação Geral.
- O Vaticano recebeu, em 20 de outubro de 2025, uma delegação de sobreviventes de abusos sexuais, indicando que a agenda interna também pesa.
- O governo chinês ainda insiste na soberania total sobre nomeações, rejeitando qualquer interferência externa.
Próximos passos e desafios
Com o conclave já concluído e Papa Leo XIV no trono, o foco volta para a implementação das propostas de diálogo. Espera‑se que a Santa Sé use a «visibilidade» de figuras como Zen para negociar maior autonomia das comunidades católicas na China.
Entretanto, a situação de Hong Kong permanece delicada. Enquanto o governo de Pequim reforça o controle sobre ONGs e movimentos civis, a comunidade católica local continua dividida entre a hierarquia reconhecida por Roma e a APC patrocinada pelo Estado.
Para Zen, a visita pode ser a última oportunidade de falar diretamente ao chefe da Igreja. O cardeal afirmou, em entrevista concedida ao Ecclesia News, que continuará a “levantar a voz pelos perseguidos, onde quer que estejam”.
Perguntas Frequentes
Qual foi o motivo da viagem do Cardinal Zen ao Vaticano?
Zen viajou para participar da Congregação Geral dos Cardeais, convocada após a morte de Papa Francisco, e para prestar homenagens ao novo pontífice, Papa Leo XIV. A viagem também simboliza sua resistência à repressão religiosa em Hong Kong.
Como a visita de Zen afeta as relações entre o Vaticano e a China?
A presença de Zen destaca as tensões ainda não resolvidas pelo Acordo Provisório, mostrando que o Vaticano mantém críticos visíveis. Isso pode pressionar Pequim a conceder maior autonomia na escolha de bispos, mas também arrisca reforçar a postura conservadora chinesa.
O que aconteceu com o processo judicial contra Zen?
O processo durou 156 dias entre 2023 e 2025, relativo ao apoio ao Fundo Humanitário 612. Zen declarou inocência e, até 30 de setembro de 2025, o veredicto ainda não havia sido divulgado, mantendo o caso em aberto.
Qual é a posição do atual bispo de Hong Kong, Cardinal Stephen Chow?
Chow afirma que não há perseguição religiosa em Hong Kong e que o governo chinês garante liberdade de culto. Seu discurso é contestado por ONG's internacionais que relatam prisões e restrições a comunidades underground.
O que o Papa Leo XIV prometeu em relação à China?
Em discurso na Pontifícia Universidade Urbana, Leo XIV ressaltou a importância do "Concilium Sinense" e sugeriu que a Igreja continuará a buscar diálogos que garantam a liberdade e a presença católica na China, sem comprometer a autoridade papal nas nomeações.
Bianca Alves
outubro 20, 2025 AT 20:01A visita do Cardeal Zen ilustra perfeitamente a dialética entre simbolismo e poder dentro da diplomacia eclesiástica. É notório que, mesmo não podendo votar, sua presença funciona como um lembrete da resistência espiritual. A comunidade católica de Hong Kong certamente sente o peso desse gesto. 😊
Bruna costa
outubro 21, 2025 AT 18:15É comovente ver alguém de 92 anos ainda engajado em defender a liberdade religiosa. O seu exemplo nos inspira a não desistir das causas justas.
Carlos Eduardo
outubro 22, 2025 AT 16:28Mesmo com a formalidade imposta pelas idades, a presença do Cardeal Zen traz ao conclave um drama silencioso, reforçando a narrativa de luta contra a opressão. A sua trajetória, marcada por resistência, ecoa nas paredes do Vaticano.
EVLYN OLIVIA
outubro 23, 2025 AT 14:41Ah, mais um passeio papal para legitimar o mesmo velho jogo de poder que choca quase que diariamente. Se o Vaticano realmente se importasse com a autonomia chinesa, não teria ainda esse acordo catraca. Mas quem se importa? 🙃
joao pedro cardoso
outubro 24, 2025 AT 12:55O Acordo Provisório de 2018 ainda permite que a China indique bispos, porém a aprovação final permanece com o Papa, como está escrito no cânon. Essa cláusula mantém um ponto de negociação crucial para os católicos underground.
Murilo Deza
outubro 25, 2025 AT 11:08Bom, realmente, esse acordo parece uma solução temporária, uma espécie de compromisso, que, em teoria, deveria melhorar a situação, mas, na prática, ainda deixa muito a desejar, não é mesmo?
Ricardo Sá de Abreu
outubro 26, 2025 AT 09:21O que me chama atenção é como a Igreja tenta equilibrar diplomacia e a defesa dos fiéis, buscando pontes sem sacrificar a própria identidade. Isso cria oportunidades, porém também riscos.
Renato Mendes
outubro 27, 2025 AT 07:35Galera, vamos apoiar esse movimento de resistência! Cada passo do Cardeal Zen nos lembra que a fé pode mover montanhas, mesmo sob vigilância.
Michele Hungria
outubro 28, 2025 AT 05:48Analisa-se, de forma rigorosa, que a presença simbólica do Cardeal Zen carece de eficácia prática; tal gesto pode ser interpretado como mera propaganda institucional.
Priscila Araujo
outubro 29, 2025 AT 04:01Mesmo que a crítica seja válida, é importante lembrar que toda ação, por pequena que pareça, pode semear esperança nos corações perseguidos.
Glauce Rodriguez
outubro 30, 2025 AT 02:15Considero esta visita um ato de submissão ao Ocidente, ignorando a soberania nacional chinesa; o Vaticano deveria respeitar os limites que o Estado impõe, sob pena de provocar instabilidade.
Daniel Oliveira
outubro 31, 2025 AT 00:28A crítica de que a presença do Cardeal Zen seria um ato de submissão carece de profundidade histórica.
Ao longo dos últimos setenta anos, a Igreja tem negociado com governos autoritários sem jamais abdicar de sua missão espiritual.
É preciso lembrar que o próprio Papa Leão XIII, em sua encíclica, advertia contra a entrega total de princípios a interesses políticos.
Afirmar que o Vaticano está simplesmente servindo ao Ocidente ignora as inúmeras vezes em que o Santo Padre denunciou violações de direitos humanos.
Além disso, o Acordo Provisório, ainda que imperfeito, representa um esforço concreto de conciliação entre duas potências.
O fato de o Cardeal Zen ter sido impedido de viajar por anos evidencia a resistência do regime chinês, não a fraqueza do Vaticano.
Quando ele finalmente chegou a Roma, o gesto simbolizou mais que mera representação; simbolizou coragem frente à repressão.
Tal coragem se reflete nas palavras do próprio Papa Leo XIV, que destacou a importância da liberdade religiosa.
A comunidade católica de Hong Kong, embora dividida, viu nesse ato um sinal de solidariedade internacional.
Do ponto de vista diplomático, a visita criou espaço para novas negociações, algo que não poderia ser alcançado por meios clandestinos.
É evidente que a diplomacia religiosa tem seus limites, mas também suas oportunidades de influência positiva.
Portanto, desconsiderar o impacto simbólico de Zen seria simplificar excessivamente a complexa teia de relações internacionais.
A história nos mostra que gestos simbólicos podem preceder mudanças tangíveis.
Assim, ao invés de rotular a visita como submissão, devemos analisá‑la como parte de uma estratégia maior.
Em suma, o Vaticano ainda detém margem de manobra para pressionar por maior autonomia eclesiástica na China.
E esse espaço, embora limitado, pode se traduzir em benefícios reais para os fiéis que sofrem perseguição.
Ana Carolina Oliveira
outubro 31, 2025 AT 22:41Concordo, Daniel, que cada gesto tem seu peso; vamos manter a esperança de que isso traga mudanças concretas.
gerlane vieira
novembro 1, 2025 AT 20:55Essa encenação não passa de teatro papal.
Andre Pinto
novembro 2, 2025 AT 19:08Concordo, mas ainda há quem acredite que o papel simbólico tem valor.