O Fortune Tiger, mais conhecido como “Jogo do Tigrinho”, está gerando um alvoroço nas discussões sobre vício em apostas online no Brasil. Em menos de um ano, o jogo explodiu nas redes sociais, atraindo milhares de jovens que, sem perceber, se veem presos a ciclos de aposta cada vez mais intensos. Segundo Rodrigo Machado, especialista em ludopatia, o aplicativo combina mecânicas de azar tradicionais com estratégias de design agressivas que “ativam o sistema de recompensa do cérebro como nenhum outro”. O impacto já é visível: hospitais relatam aumento nos atendimentos por ansiedade e dívidas, enquanto a justiça começa a investigar influenciadores que promovem o jogo.
Contexto: como o Jogo do Tigrinho se popularizou
O fenômeno começou em meados de 2023, quando plataformas de streaming começaram a exibir ao vivo jogadores ganhando grandes prêmios em poucos cliques. A promessa de lucro rápido, aliada a gráficos coloridos e sons de vitória, fez o aplicativo se espalhar como vírus entre adolescentes e universitários. Dados do Datafolha apontam que cerca de 30% dos brasileiros entre 16 e 24 anos já apostaram pelo menos uma vez, um número que ultrapassa o de países onde o jogo é tradicionalmente legalizado.
Mecanismos de design que alimentam a dependência
O que diferencia o Fortune Tiger dos jogos de aposta convencionais é o uso intenso de gamificação: níveis, conquistas, tarefas diárias e recompensas instantâneas. “Os desenvolvedores perceberam que poderiam atingir uma população mais jovem com elementos estéticos extraídos de videogames”, explica Machado. Cada vitória, mesmo que aleatória, dispara um pequeno pico de dopamina, reforçando a necessidade de repetir a ação.
Além disso, o algoritmo de recomendação da plataforma, alimentado por inteligência artificial, ajusta a dificuldade e o ritmo de recompensas de acordo com o comportamento do usuário. Quando o sistema detecta que o jogador está perdendo, ele aumenta a frequência de pequenos ganhos para evitar o abandono, estratégia que Altay de Souza, psicólogo da Universidade de São Paulo, descreve como “um ciclo de reforço que pode levar à ludopatia”.
Neurobiologia do vício: o papel da dopamina
O cérebro humano possui um sistema de recompensa composto pelo córtex pré-frontal, núcleo accumbens e área tegmentar. Quando alguém joga e obtém um ganho, a área tegmentar libera dopamina, gerando euforia. “Na verdade, o corpo se vicia pela sensação que a liberação de dopamina traz e não exatamente pelo jogo em si”, afirma Gabriel Rego, psicólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. A repetição desse estímulo cria mudanças neuroplásticas que exigem doses cada vez maiores de risco para alcançar o mesmo efeito, o que explica a escalada de apostas e perdas financeiras.
Um estudo de 2008 da Universidade de Nevada mostrou que jogadores online experimentam níveis de excitação superiores aos de cassinos físicos, reforçando a ideia de que a interface digital intensifica o risco percebido.

Impacto social e econômico
- Mais de 2,3 milhões de usuários ativos no Brasil em 2024.
- Perdas acumuladas estimadas em R$ 1,5 bilhão apenas no último trimestre.
- Aumento de 18% nos atendimentos de saúde mental relacionados a jogos de azar, segundo hospitais privados de São Paulo.
- Investigações em curso contra influenciadores que promovem o jogo, suspeitos de prática de propaganda enganosa e pirâmide financeira.
A Organização Mundial da Saúde reconheceu a ludopatia como doença em 2018, e o Brasil já a incluiu na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) nas categorias de mania de jogo e jogo patológico. Ainda assim, a regulamentação permanece fragmentada, e as plataformas operam em um limbo legal que dificulta ações preventivas.
Respostas institucionais e perspectivas futuras
O Ministério da Saúde lançou, em agosto de 2024, a campanha “Jogue com Consciência”, voltada para escolas e universidades, mas ainda carece de recursos para tratamento especializado. Por outro lado, grupos de defesa do consumidor exigem que as operadoras adotem mecanismos de autoexclusão mais robustos e que os algoritmos de sugestão sejam auditados por órgãos independentes.
Especialistas apontam que, se a tendência continuar, o número de casos de ludopatia pode dobrar nos próximos três anos. A chave, segundo Souza, está em combinar políticas públicas efetivas com educação digital precoce: “Precisamos ensinar jovens a reconhecerem sinais de dependência antes que o vício se consolide.”
Frequently Asked Questions
Como o design do Fortune Tiger aumenta o risco de vício?
O jogo usa recompensas instantâneas, níveis e desafios diários que dispararam picos de dopamina a cada vitória. O algoritmo ajusta a dificuldade para manter o usuário engajado, criando um ciclo de reforço que pode levar à dependência.
Qual a diferença entre ludopatia e jogar ocasionalmente?
Ludopatia é reconhecida como doença pela OMS e pelo CID‑10 brasileiro. Ela se caracteriza por perda de controle, prioridade das apostas sobre outras áreas da vida e necessidade de tratamento profissional, ao contrário de uma prática recreativa controlada.
Quem está sendo investigado nas denúncias de propaganda enganosa?
Autoridades investigam influenciadores que divulgam o Fortune Tiger usando versões “demo” manipuladas, onde vitórias são quase garantidas. As suspeitas incluem crimes de estelionato, pirâmide financeira e sonegação fiscal.
Quais são as recomendações para quem já sente sinais de vício?
Buscar apoio em serviços de saúde mental, como psicoterapia cognitivo‑comportamental, e usar ferramentas de auto‑exclusão oferecidas pelas plataformas. Também é aconselhável conversar com familiares e evitar ambientes digitais que promovam o jogo.
O que o governo pode fazer para conter o problema?
Implementar regulamentação mais rígida para cassinos online, exigir auditoria independente dos algoritmos de recomendação e ampliar programas de prevenção nas escolas, além de garantir acesso a tratamento especializado para ludopatas.
Marcus Ness
outubro 3, 2025 AT 05:33É alarmante observar como o Fortune Tiger combina elementos de gamificação com apostas, criando um ciclo quase inevitável de reforço positivo. O uso de recompensas instantâneas e níveis desperta a curiosidade dos jovens e os mantém engajados por horas. Essa estratégia, embora engenhosa do ponto de vista de retenção, revela uma responsabilidade ética que parece ter sido deixada de lado. As autoridades precisam analisar mais a fundo as práticas de design que estimulam a liberação de dopamina em excesso. Recomendo que os pais monitorem o tempo de tela dos filhos e conversem abertamente sobre os riscos associados. Além disso, seria útil que as plataformas oferecessem mecanismos de auto‑exclusão mais claros e acessíveis. A educação digital precoce pode ser um forte aliado contra a ludopatia, prevenindo que a curiosidade se transforme em dependência.